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Em Guarapari (ES), Eusébio (CE) e Camaçari (BA), mulheres fazem a diferença em suas comunidades a partir da liderança que exercem junto a iniciativas sociais populares
Bastaram uma passeata aqui, uma reunião e uma assembleia ali, para que a cearense Rita Helena de Sousa Rodrigues entendesse que o cooperativismo seria seu novo – e feliz – lugar na vida. Enquanto isso, a capixaba Luciana Gonçalves, que tem sangue voluntário correndo nas veias, não fugiu da raia e respondeu ‘sim’ ao pedido da população de seu bairro para que ela se tornasse uma líder comunitária. Ao mesmo tempo, a baiana Marilene da Costa ultrapassou a tradição familiar de produtores rurais e tornou-se a mais atuante e potente voz entre as agricultoras e os agricultores de sua região. Transformando o presente e inspirando o futuro, essas três mulheres têm escrito novos capítulos na história de Eusébio, Guarapari e Camaçari, respectivamente, comunidades onde elas vivem e atuam.
A Ana Clara tem apenas quatro anos, mas sabe a importância de separar o lixo. Aprendeu com a avó, Rita, que muito do que a gente joga fora pode ser reaproveitado e transformado em outros objetos, evitando a sobrecarga da natureza com o descarte. “Tudo o que ela vê de latinhas e garrafas plásticas na escola, na rua ou em casa, em fala para a mãe que vai guardar para a vovó. Isso me orgulha e me alegra muito”, fala Rita Helena de Sousa Rodrigues. Viúva e mãe de quatro filhas, por um bom tempo ela trabalhou como catadora de materiais recicláveis em um projeto da Prefeitura de Eusébio, cidade da região metropolitana de Fortaleza/CE.
Agora, aos 50 anos, ela é a vice-presidenta da Associação das Catadores e Catadores de Eusébio (Acceu) – entidade organizada pelo poder público em parceria com a Fundação Alphaville – onde, junto com o presidente, é responsável pela organização e comando do trabalho de 20 associados, que se dividem entre a coleta nas ruas e a separação do lixo no galpão da Associação. “Amo meu trabalho e tenho muito orgulho em ser a vice-presidenta da Acceu, entidade que foi organizada com muita luta. Trabalho com muito amor e carinho porque essa cooperativa mudou a vida das catadoras e catadores que fazem parte dela”, fala Rita, empolgada. Junto com a função de liderança administrativa, ela faz separação de materiais na esteira.
Em Camaçari, município a 50 quilômetros de Salvador/BA, outra encantada com o que faz é Marilene da Costa, 56 anos, três filhos, quatro netos.
Quarta geração de uma família de agricultores, ela é roceira por escolha e comanda sozinha as quatro atividades que mantém em seu pedaço de chão: horta, criação de galinha e porco, piscicultura e apicultura.
Alfabetizada aos 48 anos, Marilene está em seu quarto mandato como presidenta da Associação Alameda do Rio, que reúne 162 agricultores associados, além de também ser coordenadora da feira orgânica realizada semanalmente na praça central da cidade – com apoio e suporte da Fundação Alphaville -, e trabalhar como faxineira e costureira.
“Mas às segundas-feiras à tarde é meu tempo de lazer e de ver meu neto”, diz a agricultora arretada no trabalho, na determinação, na liderança e na alegria.
No Jabaraí, bairro da região periférica de Guarapari, no Espírito Santo, Luciana Gonçalves é um furacão. Oficialmente, ela é gerente do Procon da cidade. Mas na paralela emplaca uma rotina acelerada. Casada, mãe de cinco filhos – dois dos quais ainda moram com ela -, e avó, Luciana, de 48 anos, é uma das principais e mais ativas vozes da liderança comunitária do Jabaraí, e parceira das ações implementadas ali pela Fundação Alphaville. “Praticar o serviço voluntário em minha comunidade é maravilhoso. Faz bem às pessoas e faz bem para nós”, ressalta Luciana. Aguerrida em sua luta diária em busca de conseguir resolução para as reivindicações da população – a maioria em torno de melhorias físicas e de serviços de infraestrutura para o bairro -, Luciana não titubeia quando perguntada sobre o que a move para o trabalho comunitário: “Deus me impulsiona a cada amanhecer”, resume.
Para todos, mas especialmente para todAs…
“Ser mulher me ajuda muito porque nós, mulheres, temos muito mais argumentos para brigar por melhorias”, emenda, com segurança e altivez, a líder comunitária de Guarapari. Rita Helena de Sousa Rodrigues, a vice-presidenta da Acceu, lá em Eusébio/CE, afirma que não tem encontrado dificuldades por ser mulher em sua atuação administrativa na Associação. Nem mesmo com o presidente, que é homem. “Não temos confronto e não sinto preconceito. Conversamos sobre tudo, traçando as resoluções. Minha maior dificuldade nessa função de liderança é o fato de eu ser uma pessoa mais antiga e um pouco tímida, e precisar conversar com diferentes tipos de pessoas. Mas a porta que Deus abre, ninguém fecha e Ele está no controle de tudo”, dispara, quase sem respirar.
Marilene da Costa, a baiana, tem fala parecida. “Para a mulher agricultora, as coisas são bem mais difíceis, mas não digo que tenha coisa impossível, não. Existem muitas coisas boas e tudo o que a gente determina, pode até demorar, mas a gente consegue”, comenta com voz risonha e fala forte, empoderada. A potência de consciência, trabalho e presença de Marilene, Rita e Luciana tem mostrado que apesar de não estarem livres de ventos e correntezas contrárias em suas lideranças femininas, as mulheres têm preferido dar de ombros às caras feias e narizes torcidos, e concentrar suas energias na construção das transformações que elas sabem que são capazes de promover. Com muito trabalho, alegria, determinação, esperança e a fé que não costuma falhar.
Ex-presidenta do Conselho de Mulheres de Guarapari, Luciana Gonçalves, por exemplo, conta que sempre foi ouvida, mesmo quando as autoridades competentes para dar solução às suas demandas não resolveram nada. O que a deixa realmente frustrada é ter que comunicar aos moradores que determinada melhoria não será feita. Claro que, como líder comunitária, ela representa e trabalha por toda a população. Mas as demandas das mulheres são a joia da coroa. “No Conselho, sempre trabalhei a autoestima e a força do empoderamento feminino, incentivando as mulheres a conquistar seu espaço e, assim, contribuir com o futuro de sua comunidade. Precisamos de políticas públicas voltadas para a geração de renda feminina e para a maior valorização da mulher no mercado de trabalho, com cursos de qualificação, por exemplo. E vamos atrás disso”, fala Luciana, para quem o maior desafio de sua dinâmica rotina é a divisão do tempo. “Preciso administrar tudo muito bem. Ser mãe, dona de casa, trabalhar fora, ir à igreja e participar de reuniões da comunidade. Todas as funções são importantes”.
Enquanto corre atrás de fazer e encaminhar ofícios solicitando transporte digno, saúde básica, asfalto, esgoto, iluminação e policiamento, essa líder comunitária cuida de manter lustrado seu exemplo para seus filhos, filhas e netos, para as mulheres e para os jovens. “Na atuação junto à comunidade, as demandas vão chegando e vamos abraçando as causas da população. E é esse legado que quero deixar: sejam voluntários e ajudem a quem pede ajuda, amem ao próximo e só façam aos outros o que desejam para si próprios”, resume, com objetividade.
Mãos que fazem a roda girar
Na Associação de Catadoras e Catadores de Eusébio (Acceu), a vice-presidenta Rita comemora o fato de 70% dos associados serem mulheres. “Somos 13 mulheres num grupo de 20 pessoas. E uma de minhas filhas é cozinheira. É muita força feminina”, diz, sorrindo. Criada para dar melhor regulação à dinâmica do trabalho, facilitar os caminhos de negociação para venda do material recolhido e fortalecer a geração de renda, a Acceu também atua junto à comunidade em ações de conscientização ambiental. “Depois da instalação da Associação, a coleta na porta das casas melhorou, vemos as ruas mais limpas e as coisas mais organizadas na cidade nessa área. Fazemos palestras nas escolas e divulgação da coleta seletiva para a população. É uma satisfação muito grande trabalhar na Acceu, seja como catadora, na esteira ou como vice-presidenta”, finaliza Rita Helena.
Moradora de uma comunidade com muitos idosos e mulheres, Marilene da Costa começou a criar laços com essas pessoas e deu início a mutirões para incentivar o protagonismo feminino na agricultura familiar de Camaçari e região. “Eram mulheres que foram criadas debaixo do ‘não pode isso e não pode aquilo porque o marido não quer, porque o marido não deixa; mulher é para parir e cuidar da casa’. E comecei a conversar com elas, falando que elas podiam, sim, fazer várias coisas. E muitas delas descobriram que podem fazer tudo, trabalhar fora, ter sua própria renda. Muitas cresceram como agricultoras e hoje são 70% dos 162 participantes da nossa Associação. Sempre digo a elas que precisamos aprender a fazer de cada não uma vitória. É muito aprendizado, muita troca de conhecimento e um aconchego mais próximo umas com as outras. Para mim, é só gratidão, felicidade pura”, comemora.
Ao contrário do que por muito tempo foi mais comum, Marilene nunca quis sair da agricultura. “Tenho maior orgulho em ser agricultora. Meu maior prazer é colher e saber o que você está comendo. Na minha roça, não entra nada de fora. Fabrico meu adubo, uso biogel, biofertilizante, biomassa, compostagem, meus bichos comem do que eu planto. Tenho encanto pela terra. Tanto que mesmo quando faço as unhas, não consigo trabalhar com luvas porque preciso sentir a terra. Depois dos meus filhos, a agricultura é a maior bênção que Deus me deu”, entrega.
Pioneirismo e projetos
Além de grande variedade de hortifruti e de produtos animais como ovos e carnes, Marilene é a única mulher apicultora na região, lidando com abelhas com e sem ferrão. Ela teve a experiência de viver 20 anos em São Paulo, onde trabalhava como faxineira, mas mantendo sua roça à distância. Se o ambiente da produção rural tem, por si só, forte propensão a ser mais duro com as mulheres, no caso de Marilene da Costa, ser separada e criando os filhos sozinha pesou um pouco mais. “Me chamavam de rampeira, de quenga, e sofri muito com isso. Mas não levo adiante”, confessa, resiliente.
E resiliência é um atributo que precisa ser bem fortalecido entre as agricultoras de Camaçari quando o assunto é linha de crédito. Marilene conta, indignada, que o acesso das mulheres produtoras rurais a financiamentos do setor é bastante travado por conta da burocracia e do preconceito direto ao gênero. “O pessoal do banco quer diminuir a mulher que toca sua roça sozinha e sempre falam que devemos apenas criar galinhas. Ou sugerem que deveríamos fazer parcerias com colegas homens. Há diversas linhas de crédito, mas nunca consegui uma. Para os homens é bem menos complicado.”, testemunha.
No entanto, a presidenta da Associação Alameda do Rio é categórica em afirmar que “desistir é uma palavra que não existe no meu dicionário. Deus me livre disso. Cada dia tenho um projeto novo, cada dia penso uma coisa nova”, diz, cheia de brio. Após cumprir o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, Marilene fez a prova do Enem e com pontuação acima de 600, queria ir para a faculdade de Agronomia. Mas era longe. Pesquisando, encontrou um curso de Administração mais próximo de sua casa e planeja começá-lo em breve. Mas adianta: “Não quero ficar atrás de uma mesa num escritório, não. Quero aprender a administrar melhor minha roça e minha produção. E estou pensando em fazer um curso de inglês”, fala, em meio a gargalhadas de felicidade.
Marilene da Costa defende para os mais os jovens – especialmente as mulheres – que a agricultura é tão boa como qualquer outro emprego e que o sucesso só depende da dedicação de cada um. “Antigamente, as mulheres preferiam ser donas de casa a agricultoras. Hoje, é o contrário. Falavam que quem não queria estudar, ia para a roça. Hoje, se quiser ir para a roça, é preciso estudar. Insisto nisso com os jovens. Além de comerem bem e ter saúde melhor, eles e elas podem ser o que quiserem na agricultura: agrônomo, veterinária e várias outras coisas. E isso é muito gratificante e prazeroso”, ensina.
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